segunda-feira, 30 de abril de 2012

Alter



- Acordou bem?
- Não! Nenhum pouco. Como alguém pode acordar bem nesse horário?
- Pois eu acordei.
- Você tem algum problema muito grande. Já foi num analista?
- Analista? Analista por estar feliz? Você é quem deveria ir. Fica toda emburrada o dia todo, o tempo todo.
- Sou realista querida. 
- O seu realismo está acabando com a nossa donzela. 
- O meu realismo? O MEU  REALISMO? Olhe bem pra você. Dá última vez que eu deixei você controlar as coisas ela acabou mal. Nós acabamos mal. Demorei dias para trazê-la de volta. Se não fosse por mim ela estaria chorando, se sentindo fracassada até agora. Não vai dizer nada querida? Se não fosse pelo meu realismo ela não estaria forte e bem resolvida agora. Ela não teria ido a festa, não teria sido promovida e você não gastaria dinheiro com suas folhas vegetarianas especiais. Se não fosse pelo meu realismo ela seria a pobre coitada da coisa toda. Ela seria não mais valiosa que um peso de papel. Ela não iria se manter sozinha e mostrar à todos que aquela menininha bobona que acreditava em todos cresceu e se tornou uma mulher capaz de enfrentar todas as adversidades. E o que você fez a ela? A deixou vulnerável, desamparada. A deixou sem chão. A coitada quase entrou em depressão. Se ela entrasse em depressão estaria sedada. Nós estaríamos sedadas. Lembra daquele dia? Ou na sua versão do país das maravilhas  tem um cantinho pra guardar memórias que não são agradáveis? Não vai se manifestar? O que você trouxe a ela? O que você acrescentou?
- Minha cara, de certo eu não tomei a decisão mais sensata ao deixá-la tão vulnerável a uma paixão. Ela nunca havia passado por uma situação dessas. Nunca mesmo. Achei que poderia lhe acrescentar. Ela pedia por aquilo, mas você e esse país de gelo em que você vive não enxergavam isso. Eu sabia que ia machucá-la. Sabia que iria doer. Sabia que não ia dar certo. Ora ! O que achas que eu sou? Uma tola? Eu sempre soube, desde o começo, que as probabilidades dela se machucar eram enormes. Ele não era nenhum exemplo de fidelidade, não é mesmo?  Acontece que ela precisava daquilo. Você a estava deixando sobrecarregada. Ela nunca mais havia se olhado no espelho e visto o quão bonita ela é. O que ela via eram olhos cansados e tristes. Acho que nem pentear o cabelo ela penteava. Ela clamava por uma coisa como aquela.
- Como pode ser assim? Como acha que aquilo tudo a ajudou? Como nos ajudou?
- Aí minha cara, para entender isso, você precisa ter visto um pouco mais da vida,olhado um pouco mais ao redor. Eu pensei que iria ser breve. Mas o que é breve e intenso tem um poder tão transformador quanto devastador. Eu só precisa que ela, ou melhor, você , se entregasse. E tudo iria acontecer naturalmente. Ela chorou. Dias. Quase a noite toda. Tentei achar o tal cantinho das maravilhas. Ela quis se matar. Eu quis me matar. Na verdade lembro-me desse pensamento muito bem. A parte sombria da mente é uma coisa assustadora. Ela quis nunca ter nascido, nunca ter acordado no dia seguinte. Mas ela nunca quis não ter conhecido aquele que dilacerou seu coração donzelesco. No fundo ela sabia que aquilo seria importante. Ela quis que ele morresse, que pagasse lentamente, que ele fosse envenenado e todas as coisas que um coração partido deseja.  Mas toda essa coisa, esse excesso de sentimento ensinou muito a ela. Ensinou coisas que você talvez nunca aprenda. Ensinou que às vezes é bom perder o foco, a razão, os sentidos. Ensinou que as pessoas podem ser tão cruéis quanto boas. Ensinou que nem tudo é o que se parece. Ensinou principalmente que só porque você deu seu seu fôlego, seu íntimo, seu mundo a uma pessoa não significa necessariamente que o outro tenha feito o mesmo. Eu a ensinei que só um jeito nessa vida de amar e ser amado: vivendo o amor. Da forma mais devota que você puder e quando tudo passar e você deixar a ferida cicatrizar irá aproveitar o que foi bom, sem nunca esquecer o que foi ruim, pois quando algum dia aparecer alguém que a mereça de fato você estará realmente pronto para reconhecer que ali há alguém mereça todo seu amor.

2 comentários:

Luara Cardoso disse...

Gostei bastante!

Um beijo,
Luara - Estante Vertical

Firefly disse...

Revi nesse texto o que levei uma vida para aprender. E pude notar que ainda há muito o que viver.
Surpreendentemente e dilaceradamente real, foi o que pensei.
Obrigado pelo seu comentário do meumarcapasso.
Estou seguindo:*

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